Entrevista de Ana Raquel ao site arbitragemcoimbra

0 Arbitragemcoimbra regressa com mais uma grande entrevista.O Natal já lá vai mas calhou-nos no sapatinho uma grande prenda ...e que prenda !!!

É com imenso orgulho que o " Pai Natal" traz a toda a família da arbitragem mais uma grande entrevista a uma árbitra de referência nacional.

Ana Raquel Brochado tinha na altura 25 anos e foi a primeira mulher a atingir o quadro nacional de árbitros(3a divisão),dirigindo na sua estreia o jogo de seniores entre as equipas do Bombarralense vs Monsanto no dia 17 de Setembro de 2006.

Passados 3 anos o Arbitragemcoimbra resolveu entrevistar a elegante Ana Raquel Brochado,conhecida como lutadora,determinada e que faz tudo por prazer,esta professora de educação física é o orgulho da arbitragem feminina nacional e com a sua ascensão á 3a categoria nacional em 2006 veio uma vez mais provar que as mulheres na arbitragem são de competência elevada,e podemos mesmo afirmar que estão ao nível dos homens. 

 

Deixamos então em baixo a entrevista:


    Como foi a brilhante sua ascensão até há 3a categoria nacional ?

 
AR-Não considero que a minha ascensão tenha sido brilhante. Comecei na arbitragem de futebol de 7 em 1996/97 e de futebol de 11 em 1997/98, fui fazendo a progressão normal pelas diversas categorias da arbitragem distrital, até que em 2000/01 integrei o Quadro Nacional Feminino, em paralelo com a arbitragem nos escalões distritais do futebol masculino. Este quadro, sendo uma situação excepcional criada pela FPF para suprir as "necessidades" de árbitras nas competições nacionais femininas, permitiu-me uma série de experiências a nível nacional (exemplo da final da Taça de Portugal, que dirigi em 2004/05) e internacional (variadas participações em jogos da UEFA e mesmo em organizações da FIFA). No entanto, a realidade do futebol feminino em Portugal, àquela data, fazia com que os jogos distritais (masculinos), acabassem por ser mais exigentes e desafiantes e em 2006/07, quando fiquei em condições de ser promovida à 3ª Categoria Nacional, tive de optar pelo futebol feminino ou masculino e acabei por não hesitar, embora guarde com saudade muitos dos momentos vividos nesses anos.


    É conhecida como lutadora,determinada e sempre em busca de conhecimento.É duro ser professora e conciliar com a arbitragem ?

AR-Sou conhecida por essas capacidades? Fico feliz. Isso reflete a minha forma de estar na vida. Não estaria na arbitragem se não a levasse a sério e isso pressupõe um processo constante de actualização e auto-superação.
A minha vida profissional é, actualmente, relativamente fácil de conciliar com a arbitragem. O que é complicado é conciliar estes dois aspectos com outros, como a vida social e familiar. Esses domínios são inevitavelmente afectados e ao longo destes 12 anos de percurso na arbitragem, o meu maior desafio tem sido tentar encarar a arbitragem com a seriedade que ela merece, sem penalizar demasiado quem está à minha volta. Infelizmente, nem sempre se consegue...
 

    A Ana Raquel decidiu ser árbitra de futebol.Hoje faria tudo da mesma maneira ?

AR-Na verdade, eu não sinto que um dia tenha decidido ser árbitra de futebol e que as coisas tenham começado daí. Sinto antes que, por situações de circunstância, eu me cruzei com a realidade da arbitragem e fui "adoptada" por ela.
Isto pode parecer estranho, mas eu comecei na arbitragem por via de uma iniciativa escolar e envolvida por um conjunto de colegas de escola que fizeram o mesmo. Em tom de brincadeira podemos até dizer que eu comecei a arbitrar como muita gente começa a fumar! Por estar incluído num grupo de jovens. Aconteceu entretanto que fui descobrindo capacidades em mim que me permitiram ter algum sucesso/reconhecimento na actividade e, de conquista em conquista, fui ascendendo de categoria até chegar a uma altura em que me apercebi que já havia demasiado esforço envolvido para que pudesse ser menosprezado e que valia a pena "investir" a sério. Não me arrependo de nenhuma das opções que tomei.
 

    A sua família apoiou-a sempre nesta sua opção desde o início ou mostrou alguma relutância ?

AR-Como já expliquei esta não foi uma "opção" e muito menos foi repentina, pelo que a minha família se foi adaptando à minha realidade gradual e naturalmente (tal como qualquer família se adapta a ir pôr a filha/filho ao futebol ou à natação). O meu crescimento na arbitragem acompanhou o meu crescimento biológico e maturacional, eu comecei com 15 anos a dirigir jogos e passado este tempo a dimensão da arbitragem na minha vida cresceu muito, tal como eu. A minha família nunca se opôs e acompanhou naturalmente este processo.
 

    Qual a sua opinião sobre a escassez de árbitros a nível distrital em várias associações ?

AR-Desconheço a realidade dos distritos para além de Lisboa e, por isso, a minha opinião é quase totalmente decorrente do senso comum aliado às experiências partilhadas por colegas de outros distritos.
No entanto, parece-me que basta enquadrar socio-economicamente a actividade dos árbitros em portugal e, muito especialmente, a realidade dos árbitros distritais, para encontrar quase todos os motivos que podem fazer um jovem afastar-se da "carreira da arbitragem" ao mesmo tempo que é preciso um esforço de imaginação considerável para perceber o que se passa com aqueles que se mantém cá.
Senão vejamos: qual a "cotação" de um árbitro na praça pública? o que é que se pede e o que é o que os árbitros têm de retorno na sua actividade de arbitragem? qual o "preço" a pagar para ascender a categorias superiores (esforço, estudo, treino, dedicação, fins de semana,...)? qual o apoio à formação dos jovens árbitros? e aos seus 1ºs meses de actividade?
Poderia continuar a fazer perguntas dentro destes domínios, mas parece-me suficiente, até porque as respostas a estas já permitiriam ter planos de formação e acompanhamento que tivessem a força de fixar os jovens que tiram os cursos, para depois nos preocuparmos com a angariação de mais interessados. Cabe às estruturas dirigentes prioritizar estes assuntos.
 

    Podemos afirmar que já não existe discriminação na arbitragem a nível feminino ?

AR-Claro que não. Isso é uma utopia ainda. A arbitragem não é um elemento solto da nossa cultura/sociedade e tem os seus princípios fortemente enraizados nela.
Portugal continua a ser um país onde o machismo é prática comum e, embora se notem mudanças, acho que a igualdade de que tanto se fala está ainda fora do que a vista alcança.
Mas a este nível, para não ser apelidada de "feminista", talvez seja importante esclarecer alguns aspectos: quando digo que a igualdade não se avista, não me refiro à falta de iniciativas que a promovam, mas sim ao equilíbrio que será necessário para a atingir. A igualdade, nomeadamente ao nível desportivo, deve ser vista sempre como igualdade de oportunidades e não como uma igualdade absoluta, porque as diferenças entre géneros existem e são, na maior parte dos casos, incontornáveis. Um homem tipo terá sempre mais força do que uma mulher tipo e esta será sempre mais metódica do que aquele. Isto são sexismos? É possível, mas também são verdades intimamente ligadas à nossa natureza e só quando forem assumidas e consideradas é que teremos a tão desejada (?) igualdade de que se fala.
 

    Agora que já cimentou a sua posição a nível nacional,até onde pode chegar a Ana Raquel ?

 
AR-Sinto efectivamente que a minha posição no quadro de 3ª Categoria está cimentada. Aprendi o que me foi possível e tive o previlégio de ver reconhecido o meu trabalho em muitos "pequenos" momentos de relação com os intervenientes no cenário do futebol (jogadores, dirigentes,...). Dentro da perspectiva de actualização e superação constante sinto-me preparada para mais um passo. O objectivo a curto prazo é a 2ª Categoria.
Com o realismo que faço por usar como bandeira desde sempre, continuo a achar que não será a minha geração a conquistar a Liga.


    Com o aumento quantitativo e qualitativo de mulheres na arbitragem,acha que se pode dar uma maior credibilização a este sector ?

 
AR-Já manifestei esta opinião noutras ocasiões e mantenho-a: acho que as mulheres têm um papel importante numa necessária credibilização do sector, mas apenas se souberem explorar o "factor surpresa" para provar que é preciso e salutar mudar, mantendo como fio condutor um trabalho sério que estenda raízes a quem lhes siga as pegadas, sejam esses seguidores homens ou mulheres.
Não defendo uma arbitragem exclusiva ou sequer maioritariamente feminina, defendo sim uma arbitragem de qualidade, onde os bons árbitros sejam reconhecidos e onde as oportunidades sejam dadas a quem as merece, independentemente do género.


    Como classifica os centros de treinos da LPFP e que permitem a todos os árbitros evoluírem fisicamente ?

AR-Não tenho conhecimento (nem técnico, nem de causa), que me permita dar uma opinião sobre estes centros, pois não frequento nenhum deles.
Defendo, de forma geral, todos os mecanismos criados a pensar no desenvolvimento da estrutura da arbitragem e, nesse contexto, os centros de treinos são "armas" poderosoas que servem, certamente, a causa.
 

    Que mensagem gostaria de deixar aos árbitros mais jovens e a todos os nossos visitantes online ?

AR-Aos jovens árbitros gostaria de dar uma palavra de incentivo e de esperança, porque acredito que é possível viver a arbitragem com gosto e paixão. Construam o vosso percurso de acordo com as vossas próprias metas!
Aos leitores no geral (assumindo-os como espectadores desportivos), deixo um apelo à tomada de consciência da humanidade dos árbitros/juízes. Estas pessoas não se "despem" dos valores, emoções e vivências do dia a dia quando entram em campo, muito menos com o intuito de prejudicar alguém. Eu serei sempre eu, com os mesmos defeitos e qualidades, quer me mantenha na arbitragem, quer a abandone e não me torno numa pessoa pior quando começam os jogos... Não vejo através "das cores" e respeito cada jogador/dirigente/... como a mim própria. Acredito, sinceramente, que a maioria dos árbitros é como eu.
 
Felicidades para todos e que 2010 seja repleto de concretizações!

 

 

Estamos delicíados com a subtileza desta entrevista e com a visão ponderada e realista que Ana Raquel Brochado tem sobre a arbitragem e principalmente nas dificuldades que as mulheres infelizmente ainda têm neste sector e não sendo por vezes apoiadas incondicionalmente pelos seus colegas árbitros.

Ana Raquel é o exemplo que com humildade,seriedade e trabalho tudo se consegue alcançar e que não há impossíveis.

 

O nosso muito obrigado á Ana Raquel Brochado pela sua disponibilidade e amabilidade na concessão desta entrevista e pelo seu contributo na divulgação da arbitragem,sendo estas entrevistas um meio de incentivo na captação de jovens árbitros .

Desejamos que Ana Raquel num futuro muito próximo atinga a LPFP e que tenha toda a sorte do mundo a nível pessoal e desportivo.

 

Muito Obrigado

 

ADM

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